sexta-feira, 23 de abril de 2021

O meu 25 de abril vai ser sempre assim




Não me lembro de um 25 de Abril sem cravos ou desfile na Av. da Liberdade e, desde o desaparecimento do meu pai, é essa a flor que lhe levo quando o vou celebrar. Mas não foi com ele em vida que descobri a razão mais forte da tamanha ligação a este dia, que marcou a geração dos meus e de tantos outros pais, avós e filhos que viveram o fim da ditadura salazarista, a Revolução do 25 de Abril e esta década tão especial dos anos 1970. E foi apenas hoje, a 23 de Abril de 2021, que consegui que o Capitão de Abril Vasco Lourenço e o Coronel João Andrade da Silva me confirmassem a veracidade destes factos.

Foi assim. O Movimento das Forças Armadas, que desencadeou a Revolução do 25 de Abril em Portugal, organizou secretamente missões que levariam à detenção de comandantes. As senhas para ativar estas missões passariam encapsuladas pela rádio em horas e locais combinados previamente num minucioso plano. A primeira senha anunciada na rádio marcou a história e a cultura portuguesas com uma música que até as crianças de hoje sabem cantar. Para mim, essa música tem um som muito diferente.

A primeira missão estava prevista para o dia 24 de Abril, às 22h55, na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas (EPA). A esta hora, o locutor de rádio João Paulo Diniz da estação Emissores Associados de Lisboa, anunciou: “Faltam cinco minutos para as vinte e três horas. Convosco, Paulo de Carvalho com o Eurofestival 74 E Depois do Adeus.

O irmão do meu pai, o então Tenente Pedro Manuel Lopes de Sales Grade, estava na Escola Prática de Artilharia, em Vendas Novas (EPA). E foi o seu quarto que foi escolhido para que um grupo de oficiais do movimento ficasse à espera da primeira senha: a música E depois do Adeus.

Talvez o meu tio, conhecido por ser o maior pacifista do exército português, quisesse ficar por aqui: sentir a importância de terem escolhido o seu quarto como porto seguro para os oficiais que ficariam conhecidos pela detenção dos comandantes. Mas foi exposto a um momento de verdade: e arriscou.

O destino fez com que, pela ausência, à última hora, de um dos oficiais convocados para esta missão, o meu tio fosse resgatado para fazer parte do grupo de oficiais que deteria os comandantes de artilharia ali presentes. Ficou então na história como o Tenente Pedro Sales Grade que deteve o 2º Comandante Tenente-Coronel João Manuel Pereira do Nascimento. Ao vê-lo, o 2º Comandante surpreendeu-se com a sua presença dizendo “Também um Sales Grade está metido nisto!”, tendo o meu tio respondido: “As circunstâncias assim o exigem, meu comandante!”, atitude justificada em alguns relatos pelo facto do meu tio praticar yoga (em 1974!) e recusar qualquer tipo de violência.



Da esquerda para a direita: Brigadeiro Sales Grade (avô), José Sales Grade (pai), Maria Luísa Sales Grade (avó) e Tenente Pedro Sales Grade (tio).

Ouvi sempre uma história contada pelo meu pai, que essa não poderei aprofundar com factos históricos. Mas ao que consta, tentaram prender o meu avô, que era Brigadeiro na altura. Mas alguém de repente percebeu: “É o pai do Sales Grade!” E foi assim que o meu avô, já na altura conhecido como um homem de esquerda, acabou por não ir parar à prisão.

Não há dia para mim que possa juntar tantas emoções como o dia 25 de Abril: a conquista da liberdade, da democracia, do início da luta por uma sociedade mais justa, valores estes sempre presentes no meu dia-a-dia em família, tendo passado anos sem saber esta história, que viria a tornar todo e cada minuto do 25 de Abril num momento de verdadeiro orgulho, não só pelo meu tio, como por todos os que tiveram a coragem de fazer parte da mudança, com todos os riscos que essa coragem implica. E em grande parte é esta a coragem que se vive aqui, no DiEM25.

P.S. o meu tio tem hoje 74 anos e ainda pratica yoga.

Artigo publicado originalmente a 23 de Abril de 2021 no site DiEM25.org 

quinta-feira, 13 de março de 2014

O que eu ainda não fiz...



Ainda não parei.
Desde que cheguei que ando à procura do tempo, do espaço, da vida com momentos de escrita livre, escrita política, escrita literária, escrita cultural, escrita eu sei lá, só para continuar a sentir este frenesim que me percorre as veias quando escrevo.
Ainda não parei e a vida é que não para, não sou eu, que tenho tido momentos físicos parados o suficiente para voltar ao tempo. Mas a vida não deixa. Enche-nos de macacos e macaquinhos, histórias, pessoas, obrigações, enredos e de repente esse tempo livre vira tempo de limpeza total do cérebro.
Como é que formatámos de tal forma o nosso cérebro para conseguir desligar tanto de férias?
Quem se lembrou de fazer uma divisão tão acérrima de essas duas realidades, de tal forma que torna tudo tão inconciliável no dia-a-dia?
Preciso do tempo, do espaço, da vida a correr com um neurónio apenas a funcionar. O da escrita.


quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ainda não acabei...

Aterrar é uma coisa, chegar é outra. 
Ainda não cheguei porque as noites estão a ser longas com sobressaltos e sonhos de um outro mundo, porque a chuva e o vento que estão a pairar sobre esta cidade estão a deixar-me num estado letárgico que parece não ter fim. 
Todos os dias recordo-me do que me esqueci de escrever sobre uma viagem que foi mais viagem do que férias, sobre um estado mental que, na primeira semana, deixou a saborosa sensação de ter um mês pela frente para estar longe. 
Não estive afinal tão longe quanto queria, nem o mês pareceu um mês. O tempo de repente virou-se contra mim e transformou-se numa contagem decrescente ao fim da segunda semana. Ao fim da terceira precisava de férias. Ao fim da quarta estava em Lisboa, mal dormida, a trabalhar. 
O tempo está definitivamente a passar e não nos dá tempo para aceitar que não há mesmo tempo, é assim que a vida nos compromete a querermos aproveitar todos os seus segundos, mas à medida que o tempo passa e a idade avança, a energia para corresponder a essa expectativa desvanece. 
Foi bom este mês quantitativo que psicologicamente soube a 10 dias. Mas podia embarcar já num outro mês que soubesse a 20. 
Destes 10 dias vou ter ainda coisas para dizer, sensações que ficaram de conhecer o que é um fim do mundo na verdade tão pouco fim do mundo, tão desenvolvido e civilizado e do que é afinal viajar. 




sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Homenagem

Hoje, em dia de pausa no Panamá, dedico-me a prestar uma homenagem ao principal motivo que me fez realizar esta viagem, que esteve presente nas entrelinhas de tudo o que aqui escrevi, mas nem sempre de uma forma óbvia. Esse motivo é a pura e verdadeira amizade.
Sei que muitas vezes esta palavra muda de cor e sentido, que as peles que vamos vestindo na vida nos tornam mais próximos ou distantes daqueles que mais gostamos por escolha. Que nem sempre conseguimos pôr em prática as nossas ambições na amizade. 

A amizade que me levou até tão longe, até ao fim do mundo, nunca oscilou. Desde que começou - com uma oferta de uma prenda pouco explicável por palavras - nunca parou. Houve um click tão forte que, no meio das várias possibilidades de vida que fomos descobrindo na nossa jovem idade adulta, a intuição levou-nos a ir parar ao mesmo país, à Polónia, e vivermos um ano lado a lado. Ano que só veio comprovar e alimentar o sentimento genuíno e terno que nos une, sem fronteiras de tempo e espaço. Acredito que assim seja porque somos parecidas em questões fundamentais: por muitas peles que tenhamos que vestir na vida, nunca vamos vestir nenhuma que seja incompatível com o nosso ADN; porque tentamos seguir princípios, uns mais utópicos, outros menos, que não esquecemos com o passar do tempo. E sobretudo porque, como no amor, a verdadeira amizade não se explica. E numa vida tão curta como a nossa viver esse inexplicável é o que mais lhe dá prazer e intensidade.
Nada foi mais importante do que sentir tudo isto. O que vivi ali, na companhia da Rosa e do Vladi, foi um dia-a-dia doce (com os melhores pequenos almoços que podia ter!) com sabor a família, com os seus filhos Violeta e Matias a aceitarem a minha presença cada vez melhor, com o recém-chegado à família Panguy, o cão que trouxe uma nova dinâmica à casa. Todos estes dias foram na realidade os dias em que esta viagem significou descanso, mimo, tempo a passar devagar. Senti-me verdadeiramente em casa, recebida como uma princesa. E assim correram os meus doces dias em Santiago graças a estes grandes amigos que eu hei de visitar sempre!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Valdívia desencantada

Estranha esta última semana no Chile. Era suposto tê-la passado na companhia de uma amiga que...nunca chegou. Uma história para outras núpcias...Rapidamente decidi partir mais uma vez em rumo ao sul. Não que não tenha vontade de conhecer um dos desertos com características mais únicas do mundo, o deserto de Atacama, que fica a norte de Santiago, mas assim...é mais uma razão para voltar a este país que tanto bem me fez à alma e ao corpo.

Comprei o último bilhete de autocarro para essa noite em rumo a Valdívia, uma cidade que conhecia por ter inscrito filmes no seu famoso festival de cinema e pouco mais. 11 horas depois - sim, 11 horas num autocarro para percorrer numa só noite uma distância próxima do comprimento de Portugal!, mas onde se dorme em semi-camas com direito a almofada, cobertor e pequeno-almoço - cheguei. Com um clima meio chuvoso, às 9h já andava a percorrer a marginal da cidade, cheia de barcos, leões marinhos e uns pássaros que não consegui identificar. Aqui dá para ter uma ideia da riqueza da fauna desta zona do Chile, chamada Região dos Rios.















A agitação dessa manhã à volta dos barcos causou-me curiosidade e descobri que, em Punucapa, uma pequena povoação no interior, no meio dos rios, ia acontecer uma procissão, a La Candelaria, uma santa a quem os chilenos agradecem uma vez por ano as promessas concedidas. Um passeio pelo rio levou-me até lá, num barco onde pude ter contactos genuínos com o povo chileno, marinheiros e turistas. Experimentei os petiscos da feria costumbrista, os nossos arraiais, que ali vendiam anticucho (espetadas deliciosas) e empanadas e cidra artesanal. Assisti a toda a procissão: pessoas a caminhar com velas na mão e a cantar com alegria, um altifalante no meio a dar indicações a todos, uma confusão especial à chilena.


De regresso fui descobrir a história da cidade que se mistura com a história de emigrantes alemães. Vieram quando lhes pediram - e porque os alemães estavam a viver, no meio século XIX, crises cíclicas de fome - para vir povoar parte do Chile que, reconquistada aos espanhóis, se encontrava ainda desertificada. E isso fez toda a diferença: recriaram um país à sua imagem como convidados e não como exploradores de um povo considerado mais fraco. Um tipo de colonização enraízada na cultura chilena, que a distingue de todas as outras culturas latino-americanas: a organização, a segurança, a por vezes quadrada forma  de encontrar soluções para problemas...Valdívia é um exemplo paradigmático desta condição alemã: chegaram, bem vindos, eram 6 mil e influenciaram a cidade em tudo, desde a primeira escola à primeira fábrica de calçados e à primeira cervejaria. Transformaram Valdívia numa cidade bonita, rica e próspera, à semelhança dos seus recursos naturais infinitos.
Hoje, Valdívia está decadente. Não só o terramoto de 1960 destruiu quase todo o património arquitectónico, como muitas fábricas fecharam. É uma cidade universitária com estudantes de traje académico e guitarra na mão, com muitos jardins e com uma beleza natural incrível mas que perdeu todo o encanto, um pouco como Coimbra...

Dediquei os dias seguintes à natureza. Que é o que de mais fascinante tem este país. Visitei um lago, o Lago Ranco, para tocar na água quente e passear num ambiente puramente chileno de férias de verão e, no dia seguinte, viajei até um parque que ficava numa encosta do Oceano Pacífico, Curiñanco, para conhecer o que era a famosa selva valdiviana com árvores milenares.



 Um passeio de duas horas que terminou com um encontro especial com a Marianella, a dona de um café que me tratou como uma amiga de longa data e onde me senti em casa. Uma sureña que tentou viver em Santiago mas preferiu a calmaria da sua terra perto de Curiñanco e, assim que pôde, voltou.


Comi ali uma empanada feita no momento e uma fatia de kuchen de framboesa - o cheese cake adoptou nome alemão por cá - tudo ao som de Violeta Parra, Victor Jara e da canção de Valdívia, Camino de Luna.
Hoje é o último dia antes de iniciar a grande viagem através de fusos horários entre o Panamá, Nova Iorque e Portugal.