quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Ainda não acabei...

Aterrar é uma coisa, chegar é outra. 
Ainda não cheguei porque as noites estão a ser longas com sobressaltos e sonhos de um outro mundo, porque a chuva e o vento que estão a pairar sobre esta cidade estão a deixar-me num estado letárgico que parece não ter fim. 
Todos os dias recordo-me do que me esqueci de escrever sobre uma viagem que foi mais viagem do que férias, sobre um estado mental que, na primeira semana, deixou a saborosa sensação de ter um mês pela frente para estar longe. 
Não estive afinal tão longe quanto queria, nem o mês pareceu um mês. O tempo de repente virou-se contra mim e transformou-se numa contagem decrescente ao fim da segunda semana. Ao fim da terceira precisava de férias. Ao fim da quarta estava em Lisboa, mal dormida, a trabalhar. 
O tempo está definitivamente a passar e não nos dá tempo para aceitar que não há mesmo tempo, é assim que a vida nos compromete a querermos aproveitar todos os seus segundos, mas à medida que o tempo passa e a idade avança, a energia para corresponder a essa expectativa desvanece. 
Foi bom este mês quantitativo que psicologicamente soube a 10 dias. Mas podia embarcar já num outro mês que soubesse a 20. 
Destes 10 dias vou ter ainda coisas para dizer, sensações que ficaram de conhecer o que é um fim do mundo na verdade tão pouco fim do mundo, tão desenvolvido e civilizado e do que é afinal viajar. 




sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Homenagem

Hoje, em dia de pausa no Panamá, dedico-me a prestar uma homenagem ao principal motivo que me fez realizar esta viagem, que esteve presente nas entrelinhas de tudo o que aqui escrevi, mas nem sempre de uma forma óbvia. Esse motivo é a pura e verdadeira amizade.
Sei que muitas vezes esta palavra muda de cor e sentido, que as peles que vamos vestindo na vida nos tornam mais próximos ou distantes daqueles que mais gostamos por escolha. Que nem sempre conseguimos pôr em prática as nossas ambições na amizade. 

A amizade que me levou até tão longe, até ao fim do mundo, nunca oscilou. Desde que começou - com uma oferta de uma prenda pouco explicável por palavras - nunca parou. Houve um click tão forte que, no meio das várias possibilidades de vida que fomos descobrindo na nossa jovem idade adulta, a intuição levou-nos a ir parar ao mesmo país, à Polónia, e vivermos um ano lado a lado. Ano que só veio comprovar e alimentar o sentimento genuíno e terno que nos une, sem fronteiras de tempo e espaço. Acredito que assim seja porque somos parecidas em questões fundamentais: por muitas peles que tenhamos que vestir na vida, nunca vamos vestir nenhuma que seja incompatível com o nosso ADN; porque tentamos seguir princípios, uns mais utópicos, outros menos, que não esquecemos com o passar do tempo. E sobretudo porque, como no amor, a verdadeira amizade não se explica. E numa vida tão curta como a nossa viver esse inexplicável é o que mais lhe dá prazer e intensidade.
Nada foi mais importante do que sentir tudo isto. O que vivi ali, na companhia da Rosa e do Vladi, foi um dia-a-dia doce (com os melhores pequenos almoços que podia ter!) com sabor a família, com os seus filhos Violeta e Matias a aceitarem a minha presença cada vez melhor, com o recém-chegado à família Panguy, o cão que trouxe uma nova dinâmica à casa. Todos estes dias foram na realidade os dias em que esta viagem significou descanso, mimo, tempo a passar devagar. Senti-me verdadeiramente em casa, recebida como uma princesa. E assim correram os meus doces dias em Santiago graças a estes grandes amigos que eu hei de visitar sempre!

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Valdívia desencantada

Estranha esta última semana no Chile. Era suposto tê-la passado na companhia de uma amiga que...nunca chegou. Uma história para outras núpcias...Rapidamente decidi partir mais uma vez em rumo ao sul. Não que não tenha vontade de conhecer um dos desertos com características mais únicas do mundo, o deserto de Atacama, que fica a norte de Santiago, mas assim...é mais uma razão para voltar a este país que tanto bem me fez à alma e ao corpo.

Comprei o último bilhete de autocarro para essa noite em rumo a Valdívia, uma cidade que conhecia por ter inscrito filmes no seu famoso festival de cinema e pouco mais. 11 horas depois - sim, 11 horas num autocarro para percorrer numa só noite uma distância próxima do comprimento de Portugal!, mas onde se dorme em semi-camas com direito a almofada, cobertor e pequeno-almoço - cheguei. Com um clima meio chuvoso, às 9h já andava a percorrer a marginal da cidade, cheia de barcos, leões marinhos e uns pássaros que não consegui identificar. Aqui dá para ter uma ideia da riqueza da fauna desta zona do Chile, chamada Região dos Rios.















A agitação dessa manhã à volta dos barcos causou-me curiosidade e descobri que, em Punucapa, uma pequena povoação no interior, no meio dos rios, ia acontecer uma procissão, a La Candelaria, uma santa a quem os chilenos agradecem uma vez por ano as promessas concedidas. Um passeio pelo rio levou-me até lá, num barco onde pude ter contactos genuínos com o povo chileno, marinheiros e turistas. Experimentei os petiscos da feria costumbrista, os nossos arraiais, que ali vendiam anticucho (espetadas deliciosas) e empanadas e cidra artesanal. Assisti a toda a procissão: pessoas a caminhar com velas na mão e a cantar com alegria, um altifalante no meio a dar indicações a todos, uma confusão especial à chilena.


De regresso fui descobrir a história da cidade que se mistura com a história de emigrantes alemães. Vieram quando lhes pediram - e porque os alemães estavam a viver, no meio século XIX, crises cíclicas de fome - para vir povoar parte do Chile que, reconquistada aos espanhóis, se encontrava ainda desertificada. E isso fez toda a diferença: recriaram um país à sua imagem como convidados e não como exploradores de um povo considerado mais fraco. Um tipo de colonização enraízada na cultura chilena, que a distingue de todas as outras culturas latino-americanas: a organização, a segurança, a por vezes quadrada forma  de encontrar soluções para problemas...Valdívia é um exemplo paradigmático desta condição alemã: chegaram, bem vindos, eram 6 mil e influenciaram a cidade em tudo, desde a primeira escola à primeira fábrica de calçados e à primeira cervejaria. Transformaram Valdívia numa cidade bonita, rica e próspera, à semelhança dos seus recursos naturais infinitos.
Hoje, Valdívia está decadente. Não só o terramoto de 1960 destruiu quase todo o património arquitectónico, como muitas fábricas fecharam. É uma cidade universitária com estudantes de traje académico e guitarra na mão, com muitos jardins e com uma beleza natural incrível mas que perdeu todo o encanto, um pouco como Coimbra...

Dediquei os dias seguintes à natureza. Que é o que de mais fascinante tem este país. Visitei um lago, o Lago Ranco, para tocar na água quente e passear num ambiente puramente chileno de férias de verão e, no dia seguinte, viajei até um parque que ficava numa encosta do Oceano Pacífico, Curiñanco, para conhecer o que era a famosa selva valdiviana com árvores milenares.



 Um passeio de duas horas que terminou com um encontro especial com a Marianella, a dona de um café que me tratou como uma amiga de longa data e onde me senti em casa. Uma sureña que tentou viver em Santiago mas preferiu a calmaria da sua terra perto de Curiñanco e, assim que pôde, voltou.


Comi ali uma empanada feita no momento e uma fatia de kuchen de framboesa - o cheese cake adoptou nome alemão por cá - tudo ao som de Violeta Parra, Victor Jara e da canção de Valdívia, Camino de Luna.
Hoje é o último dia antes de iniciar a grande viagem através de fusos horários entre o Panamá, Nova Iorque e Portugal.




sábado, 1 de fevereiro de 2014

Da Província Última Esperança à Província de Magalhães

O tempo foi longo no fim do mundo. Depois dos dias alucinantes de trekking, tive um dia de tranquilidade ao ritmo de pedaladas de bicicleta em Puerto Natales, tive tempo para ver cada rua, dar a volta ao mar/lagoa que rodeiam a cidade, contactar com locais, que ou se preocupavam com a minha constipação ou com o que devia ou não comer, e ainda conhecer um pouco melhor a história das populações indígenas que aqui viveram - os espanhóis acabaram com eles - vindos da Ásia pelo estreito de Bering ou por algum pedaço de terra que se tenha despegado do continente asiático!











Foi o dia em que finalmente experimentei o Caldillo de Congrio, uma sopa de congro, que hoje é conhecida por ser o prato preferido de Pablo Neruda, que lhe dedicou um poema (aqui). Uma delícia. Dia tranquilo de preparação para o verdadeiro arrebatamento da alma humana que vivi no dia seguinte.

Não estava planeado, mas marquei uma ida à Patagónia argentina, a 400 kms de Puerto Natales, ida e volta no mesmo dia, das 6 da manhã às 23h. Só - e digo só porque é um só gigante - para passar duas horas perto do glaciar Perito Moreno. Só a viagem foi um verdadeiro prazer. Ter noção da extensão da terra neste continente, a perder de vista, com mudanças de paisagem que até agora só tinha visto na Mauritânea. A Cordilheira dos Andes a impor-se sempre, ao longe, e o campo que muda, sempre em tons castanhos. Já na Argentina, a cerca de 50 kms de El Calafate, começamos uma descida que finalmente me dá a percepção do quão alto estamos...no Chile, descemos cerca de 20 kms e aí, começámos a avistar o maior lago da Argentina, o Lago Argentino.

O Perito Moreno está inserido no Parque dos Glaciares, é apenas o 3º maior glaciar do parque mas tem cerca de 250 km2 (o tamanho de Buenos Aires) e 60 m de altura. Passeando à sua frente, ouvi os estrondos do degelo: pedras de gelo a caírem com brutalidade no mar. O Perito é tão grande que assusta, principalmente visto de baixo: estive num barco que se aproximou a 300 metros do glaciar. É uma monstruosidade de história e de vida que ali está. Senti-me tão pequena e indefesa perante tudo isto.










Seguiu-se a este longo dia uma curta passagem por Punta Arenas na Província de Magalhães. Aqui ele é rei. Domina a estátua principal da cidade - mais uma vez comprovei que ninguém sabe que ele é português... - e descobri outro pioneiro e empresário do nosso país, chamado José Nogueira, que determinou o desenvolvimento desta terra e, morrendo cedo, deixou a cargo da sua mulher, Sara Braun, todos os negócios.











Em Punta Arenas o fim do mundo é real. Toda a palavra e todo o contacto é tomado com alegria, o tempo é rude - o verão aqui passa-se entre os 5 e os 12 graus - e o vento da Antártida esbofeteia-nos a cara. Pude ver aqui uma colónia de pinguins do tipo "magalhães" que aqui passam o verão. No inverno estão no Brasil e nas Ilhas Malvinas. E Dê ou não para acreditar, o centro geográfico do Chile é a cerca de 30 kms desta cidade...porque o Chile tem uma verdadeira fatia de queijo ocupada no polo...



Nos entretantos, como tem acontecido sempre nesta viagem, ficaram muitas pessoas: um designer inglês, dois portugueses - ele a viver no Perú, a construir a maior mina de cobre do mundo, ela de Coimbra - um casal de franceses de Paris, um chileno de Santiago, o primeiro chileno com quem pude conversar sobre o Chile e perceber um pouco melhor como se vive neste país e por fim uma japonesa jornalista que torceu o pé a fazer trekking sozinha...A última semana já começou.