Passaram-se
quatro dias, dois dos quais estive totalmente incontactável. Chegar ao fim do
mundo tem destas coisas, quanto mais ao fim se quer ir, mais se sente na pele o
que implica esse fim que nunca acaba, mas que impede o contacto com o mundo.
Cheguei de avião a Punta Arenas e logo senti a força incrível do vento e o quão próximo está o céu da terra, recortada por um mar imenso chamado Magalhães. Sim o nosso, mas que
chegou aqui ao serviço do rei de Espanha. Deu o nome a tudo: Patagónia vem de
um livro publicado no século XVI que descrevia seres humanos gigantes como patagonos;
Pacífico, o nome que deu ao oceano que atravessou, vem das águas calmas que
cruzou assim que passou a Terra do Fogo; e por fim Terra do Fogo porque nesta
região viam-se os fogos das casas das populaçoes indígenas. Como seria de
imaginar ninguém faz ideia aqui que Magalhães era português: o seu nome foi
totalmente espanholizado para Magallanes e está em todas as ruas de todas as
povoaçoes e cidades do Chile. Mas é espanhol.
De Punta Arenas
atravessei parte da Patagónia para chegar a Puerto Natales na província da Última Esperança, a pequena cidade
banhada por um lago de onde já se avistam as primeiras montanhas do parque
nacional Torres del Paine.
No dia seguinte mais uma viagem de três horas para
chegar a Laguna Amarga, uma das entradas do parque, depois de passar por
guanacos, nandus, baqueanos (os cowboys cá do sítio) e muitas vacas e
carneiros. Paisagens a perder de vista, a cordilheira dos Andes a mostrar a sua
força, as montanhas cobertas de glaciares e eu a saber que ia ter os dois dias
mais isolados da minha viagem. Passei-os a andar, a fazer os primeiros
verdadeiros trekkings da vida.
No primeiro dia foram 7 horas de caminhada na
montanha para chegar até ao ponto mais próximo das Torres del Paine, não
cheguei ao fim mas todo o processo mental que a caminhada provocou em mim
tornou esta experiência verdadeiramente iniciática. Passo após passo, o tempo
deixa de ter uma duraçao e pura e simplesmente acompanha a paisagem numa perspectiva
psicológica e não numérica. Os pensamentos deixam de ser seguidos e tornam-se
fluídos, ao ritmo das passadas e dos desafios. Todo o mundo que a mim me
pertence desapareceu ao longo destas muitas horas. Até...encontrar um grupo de
portugueses pelo caminho. E, em meia hora apenas, estar a falar de cinema
português em plena Patagónia.
p.s. se conseguir, já incluo mais fotografias. Estas foram tiradas com o telemóvel.