
Só teve o primeiro orgasmo aos 39 anos, era uma atiradiça e frustrada sexual nas mãos de um homem que, para além da filosofia existencialista (uma das bíblias que sustenta a minha existência), nunca demonstrou nem afecto nem atracção sexual por ela. Ajudava o próprio marido a flirtar com raparigas mais novas e beijava mulheres pura e simplesmente para provocar.
Já não me recordo onde li tudo isto, mas estas histórias -entre as quais a narrada por Camus que afirma ter sido uma das vítimas do assédio da filósofa - têm sempre um fundo de verdade. Mas antes de as ler, as memórias visuais que tinha da Simone e do Jean Paul eram as de um casal que encontrava na distância um equilíbrio mental que lhes permitia evoluir lado a lado.
Para comemorar o centenário do nascimento de Sartre, a Gulbenkian trouxe até Lisboa a filha do casal, a biógrafa mais célebre do filósofo e um pequeno documetário intitulado Portraits Croisés que mostrava o dia-a-dia do casal, as suas rotinas, os seus silêncios. Quem imaginou o Sartre mergulhado em gargalhadas ao descobrir que o ser humano é o verdadeiro autor da sua vida enganou-se redondamente. Quem imaginou a Simone de Beauvoir feliz por se sentir subjugada enquanto mulher numa sociedade machista - e que infelizmente assim ainda hoje se mantém - também se enganou. Os dois filósofos madrugavam e passavam as manhãs a trabalhar. Corrigiam e comentavam o trabalho um do outro, sem se distraírem com o supérfluo. À tarde, saíam para tomar um café e a discussão que rapidamente se instalava à mesa transmitia um conhecimento profundo da linha de pensamento um do outro e uma vontade de chegar cada vez mais longe, um desafio comum aos dois.
Não sei o que contou mais para estas duas almas que se cruzaram um dia e não mais se separaram. Só sei que não há nada mais sagrado do que a cumplicidade imutável de um casal. Com ou sem amor.
2 comentários:
Bom texto! Estou a gostar, vou ler o anterior... Embora, Nádia, acredite numa sociedade cada vez mais matriarcal e em mulheres cada vez mais egoístas e homens mais carentes...
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