quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Valdívia desencantada

Estranha esta última semana no Chile. Era suposto tê-la passado na companhia de uma amiga que...nunca chegou. Uma história para outras núpcias...Rapidamente decidi partir mais uma vez em rumo ao sul. Não que não tenha vontade de conhecer um dos desertos com características mais únicas do mundo, o deserto de Atacama, que fica a norte de Santiago, mas assim...é mais uma razão para voltar a este país que tanto bem me fez à alma e ao corpo.

Comprei o último bilhete de autocarro para essa noite em rumo a Valdívia, uma cidade que conhecia por ter inscrito filmes no seu famoso festival de cinema e pouco mais. 11 horas depois - sim, 11 horas num autocarro para percorrer numa só noite uma distância próxima do comprimento de Portugal!, mas onde se dorme em semi-camas com direito a almofada, cobertor e pequeno-almoço - cheguei. Com um clima meio chuvoso, às 9h já andava a percorrer a marginal da cidade, cheia de barcos, leões marinhos e uns pássaros que não consegui identificar. Aqui dá para ter uma ideia da riqueza da fauna desta zona do Chile, chamada Região dos Rios.















A agitação dessa manhã à volta dos barcos causou-me curiosidade e descobri que, em Punucapa, uma pequena povoação no interior, no meio dos rios, ia acontecer uma procissão, a La Candelaria, uma santa a quem os chilenos agradecem uma vez por ano as promessas concedidas. Um passeio pelo rio levou-me até lá, num barco onde pude ter contactos genuínos com o povo chileno, marinheiros e turistas. Experimentei os petiscos da feria costumbrista, os nossos arraiais, que ali vendiam anticucho (espetadas deliciosas) e empanadas e cidra artesanal. Assisti a toda a procissão: pessoas a caminhar com velas na mão e a cantar com alegria, um altifalante no meio a dar indicações a todos, uma confusão especial à chilena.


De regresso fui descobrir a história da cidade que se mistura com a história de emigrantes alemães. Vieram quando lhes pediram - e porque os alemães estavam a viver, no meio século XIX, crises cíclicas de fome - para vir povoar parte do Chile que, reconquistada aos espanhóis, se encontrava ainda desertificada. E isso fez toda a diferença: recriaram um país à sua imagem como convidados e não como exploradores de um povo considerado mais fraco. Um tipo de colonização enraízada na cultura chilena, que a distingue de todas as outras culturas latino-americanas: a organização, a segurança, a por vezes quadrada forma  de encontrar soluções para problemas...Valdívia é um exemplo paradigmático desta condição alemã: chegaram, bem vindos, eram 6 mil e influenciaram a cidade em tudo, desde a primeira escola à primeira fábrica de calçados e à primeira cervejaria. Transformaram Valdívia numa cidade bonita, rica e próspera, à semelhança dos seus recursos naturais infinitos.
Hoje, Valdívia está decadente. Não só o terramoto de 1960 destruiu quase todo o património arquitectónico, como muitas fábricas fecharam. É uma cidade universitária com estudantes de traje académico e guitarra na mão, com muitos jardins e com uma beleza natural incrível mas que perdeu todo o encanto, um pouco como Coimbra...

Dediquei os dias seguintes à natureza. Que é o que de mais fascinante tem este país. Visitei um lago, o Lago Ranco, para tocar na água quente e passear num ambiente puramente chileno de férias de verão e, no dia seguinte, viajei até um parque que ficava numa encosta do Oceano Pacífico, Curiñanco, para conhecer o que era a famosa selva valdiviana com árvores milenares.



 Um passeio de duas horas que terminou com um encontro especial com a Marianella, a dona de um café que me tratou como uma amiga de longa data e onde me senti em casa. Uma sureña que tentou viver em Santiago mas preferiu a calmaria da sua terra perto de Curiñanco e, assim que pôde, voltou.


Comi ali uma empanada feita no momento e uma fatia de kuchen de framboesa - o cheese cake adoptou nome alemão por cá - tudo ao som de Violeta Parra, Victor Jara e da canção de Valdívia, Camino de Luna.
Hoje é o último dia antes de iniciar a grande viagem através de fusos horários entre o Panamá, Nova Iorque e Portugal.




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