Comprei o último bilhete de autocarro para essa noite em rumo a Valdívia, uma cidade que conhecia por ter inscrito filmes no seu famoso festival de cinema e pouco mais. 11 horas depois - sim, 11 horas num autocarro para percorrer numa só noite uma distância próxima do comprimento de Portugal!, mas onde se dorme em semi-camas com direito a almofada, cobertor e pequeno-almoço - cheguei. Com um clima meio chuvoso, às 9h já andava a percorrer a marginal da cidade, cheia de barcos, leões marinhos e uns pássaros que não consegui identificar. Aqui dá para ter uma ideia da riqueza da fauna desta zona do Chile, chamada Região dos Rios.
A agitação dessa manhã à volta dos barcos causou-me curiosidade e descobri que, em Punucapa, uma pequena povoação no interior, no meio dos rios, ia acontecer uma procissão, a La Candelaria, uma santa a quem os chilenos agradecem uma vez por ano as promessas concedidas. Um passeio pelo rio levou-me até lá, num barco onde pude ter contactos genuínos com o povo chileno, marinheiros e turistas. Experimentei os petiscos da feria costumbrista, os nossos arraiais, que ali vendiam anticucho (espetadas deliciosas) e empanadas e cidra artesanal. Assisti a toda a procissão: pessoas a caminhar com velas na mão e a cantar com alegria, um altifalante no meio a dar indicações a todos, uma confusão especial à chilena.
De regresso fui descobrir a história da cidade que se mistura com a história de emigrantes alemães. Vieram quando lhes pediram - e porque os alemães estavam a viver, no meio século XIX, crises cíclicas de fome - para vir povoar parte do Chile que, reconquistada aos espanhóis, se encontrava ainda desertificada. E isso fez toda a diferença: recriaram um país à sua imagem como convidados e não como exploradores de um povo considerado mais fraco. Um tipo de colonização enraízada na cultura chilena, que a distingue de todas as outras culturas latino-americanas: a organização, a segurança, a por vezes quadrada forma de encontrar soluções para problemas...Valdívia é um exemplo paradigmático desta condição alemã: chegaram, bem vindos, eram 6 mil e influenciaram a cidade em tudo, desde a primeira escola à primeira fábrica de calçados e à primeira cervejaria. Transformaram Valdívia numa cidade bonita, rica e próspera, à semelhança dos seus recursos naturais infinitos.
Hoje, Valdívia está decadente. Não só o terramoto de 1960 destruiu quase todo o património arquitectónico, como muitas fábricas fecharam. É uma cidade universitária com estudantes de traje académico e guitarra na mão, com muitos jardins e com uma beleza natural incrível mas que perdeu todo o encanto, um pouco como Coimbra...
Dediquei os dias seguintes à natureza. Que é o que de mais fascinante tem este país. Visitei um lago, o Lago Ranco, para tocar na água quente e passear num ambiente puramente chileno de férias de verão e, no dia seguinte, viajei até um parque que ficava numa encosta do Oceano Pacífico, Curiñanco, para conhecer o que era a famosa selva valdiviana com árvores milenares.
Um passeio de duas horas que terminou com um encontro especial com a Marianella, a dona de um café que me tratou como uma amiga de longa data e onde me senti em casa. Uma sureña que tentou viver em Santiago mas preferiu a calmaria da sua terra perto de Curiñanco e, assim que pôde, voltou.
Comi ali uma empanada feita no momento e uma fatia de kuchen de framboesa - o cheese cake adoptou nome alemão por cá - tudo ao som de Violeta Parra, Victor Jara e da canção de Valdívia, Camino de Luna.
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